sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Uma aventura fantástica

Atenção! Se você não vive o cotidiano baiano, provavelmente não conseguirá compreender esse texto com clareza. Mas fique a vontade pra lê-lo, assim você entenderá porque nós baianos somos tão felizes. Se rir não adianta, chorar também não resolve!




Adoro andar de buzu. É sério, não ria... Não to maluca, ainda não.
É uma aventura tão emocionante esperar no ponto, se preparando fisicamente e psicologicamente para adentrar no ambiente selvagem e hostil. Sabe aqueles safáris africanos? Pois então, é mais ou menos assim... Só que os animais estão DENTRO do transporte.

O buzu chega (se ele chegar e não quebrar na subida da ladeira) e a briga já começa na entrada, quando os passageiros se estapeiam para ver que entra primeiro, pois, os felizardos que conseguirem irão viajar sentadinhos, bonitinhos. Quer dizer, até aparecer um senhor idoso rabugento, pra você oferecer o lugar e ele dizer que não, que não é velho, que não precisa da sua ajuda e começar a esbravejar. Então, a galera se junta e cai na risada... da sua cara, claro, que tentou ser um cidadão educado e ainda tomou um esporro.

Nunca esqueci o dia em que pedi “licença, senhora” dentro de um buzu e ela me respondeu que “senhora ta no céu.” A minha vontade? Dizer “sai da frente, *5#%#*!” Quem sabe ela achasse melhor. Agora é proibido ser educado.

Antes disso, você tentou pagar a passagem com uma nota de R$ 20 e a cobradora faz cara de raiva, pois VOCÊ tem que ter dinheiro miúdo, trocado, destrinchado, pra facilitar o troco. Tá, tudo bem. Dar R$ 100 pra tirar R$ 2,35 é sacanagem. Mas 20? Tem lá um adesivo dizendo que o troco máximo é de R$ 20,00. Eu to no meu direito e a obrigação do cobrador é ter troco e cobrar mina passagem sem dar um piu!

Pra quem vai em pé a aventura é muito melhor. Em que outro lugar você pode escolher entre inspirar o desodorante vencido de um fulano e o quadril protuberante daquela senhora que passa abrindo caminho no corredor? Sem esquecer do espertinho que, ao tentar passar, faz questão de encostar no seu corpo com tanta vontade que você torce pra que o “incômodo volume” seja um Nokia 2280 no bolso dele. Opa, tem aquela moça do guarda-chuva tamanho GG que parece não tentar evitar que o objeto acerte sua canela.

Ah, um conselho. Por mais que você se sinta tentado em ficar próximo da porta pra facilitar sua descida, esqueça. É na porta mesmo que o povo se concentra, pois pensa do mesmo jeito que você. E aí, é aquela disputa pelo espaço, que é o mais perigoso do veículo, já que nunca se sabe quando a porta vai abrir acidentalmente e jogar alguém pra fora. Fique onde possa se segurar com força, com toda sua força, como a boia de um náufrago a deriva.

O clima é semelhante ao das savanas africanas também. Abafado, quente, sufocante. Imagine a mistura de inúmeras fragrâncias, perfumes da Avon combinados com “espanta” e o suor ácido de tanta gente junta.

Ah, não podemos esquecer do vendedor de doces, canetas e afins. Tudo bem, um trabalhador, que está ali garantindo o pão de cada dia. Mas será que precisa insistir tanto pra você comprar? É quase uma obrigação do passageiro comprar as quinquilharias. Se você compra, ele diz um sonoro “Deus te abençoe!” Se não comprar, ele também agradece, mas eu sinto que mentalmente ele deseja, no mínimo, que você tropece na escada ao descer do ônibus.

Caramba, se eu fosse comprar as canetinhas, chaveiros, adesivos, lanternas e tudo quanto é coisa que me oferecem no buzu todos os dias eu já estaria falida ou com uma loja de R$ 1,99 na minha casa.

E tem também aquela mocinha, aparentemente forte e disposta, vestida em um resto de short, que cobre apenas o essencial, ou não, do seu corpo, pedindo algum trocado. Ela diz que é qualquer trocado, mas experimente dar aquela moedinha de 10 centavos, filha única na sua carteira. A mocinha vai questionar você com um olhar tão matador que é bom você se benzer!

Mas a parte mais emocionante dessa viagem fantástica ainda está por vir.

Tem o motorista do ônibus, um cara que sonhou em ser piloto de Fórmula 1. Corre mais que o Papa Léguas, nunca responde ao “Bom dia” do passageiro (ta vendo aí que é proibido ser educado?) e ainda nos transporta como inúteis sacos de batata. A cada curva brusca ou buraco no percurso, quem não está se segurando bem corre um sério risco de ser arremessado pela janela ou espremida entre o cara do desodorante vencido e o do Nokia 2280. Eu prefiro ser arremessada pela janela...

Tem também aqueles veículos velhos e sucateados (a maioria deles, na verdade), soltando peças, as vezes sem freio, as vezes sem embreagem, as vezes sem jeito mesmo. E é sempre na subida da ladeira que ele quebra, por que pra baixo todo santo ajuda.

Mas chegou a melhor hora! Aquela em que você “puxa a cordinha”, pede o ponto e o motô passa direto... Ê, beleza! Você vai ter que voltar umas três quadras por causa da surdez do motorista. Ou quem seguir viagem pra descer no terminal e viver mais aventuras. Segurem as bolsas e carteiras, porque sempre tem um danadinho gatuno atrás de você, torcendo pela sua lerdeza.

Claro, não podemos esquecer que toda essa aventura vem acompanhada de uma riquíssima trilha sonora. Você pode escolher entre conhecer o “sabor de mel” entrando na sua casa, na sua vida, mexendo com as estruturas, ueeepa! Ou talvez você prefira aprender como “ralar a xana no asfalto” e a “tcheca no chão”. Ou talvez um “hip rap hop” revoltado dando “tapa na cara da burguesia”. Ah, mas o que toca e todo mundo se balança, nem que seja um dedinho, é o famoso arrocha “chorando toda vez que te vê, querendo você, sentindo falta desse amor...”

Enfim (e graças a Deus) você chega ao seu destino! E aí vem a última parte da aventura. Aquela em que, antes mesmo dos passageiros descerem, já existem outros se estapeando pra entrar, fazendo um bolo doido na porta do veículo. Em determinado momento, até eles mesmo esquecem se estavam subindo ou descendo. E aí, meu amigo, a viagem fantástica começa de novo, do mesmo jeito, ou até pior.

O desejo no final do dia é chegar em casa, tomar um banho de corpo e alma pra se livrar do estresse fulminante que acomete o pobre cidadão, que não tem outra opção a não ser andar de buzão. Rimou!


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Esse texto não tem intenção de ofender, denigrir ou insultar qualquer pessoa. Se você se sentiu atingido, o Rabisco Criativo pede desculpas antecipadamente. Mas continua achando que a vida é uma grande piada!

2 comentários:

  1. Lindo! E sabe do melhor? Aqui em Sampa também passamos por esses problemas. A diferença é que aqui ouvem o funk maldito de todos os dias "buceita" e tantos mais. Ah, e a passagem custa R$ 3,00. Ao menos temos o Bilhete Único que é nosso "passe", não precisamos andar com 20 contos no bolso, e caso só tenhamos essa forma de pagamento o cobrador fala: "senta ae e quando for descer diz pro motorista que o cobrador não tem troco".

    O metrô então você não faz ideia, mas, isso é história para outros carnavais.

    Ótimo texto Júh.

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  2. Parabéns cronista, por ricamente nos transportar ao ambiente proposto. Esse dom não é para todos. Tiro o chapéu para ti, muito bom !!!

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